Histórico

SÍNDROME DA TALIDOMIDA FETAL
(Lavínia Schüler-Faccini, Fernanda Vianna, Eduardo Enrique Castilla) 1



Histórico
A Talidomida, (α-[N-ftalimido]-glutarimida), foi sintetizada no ano de 1954 na Alemanha Ocidental pela German Company Chemie Grünenthal. Os primeiros ensaios clínicos testaram os efeitos espasmolíticos, anestésicos locais e anticonvulsivantes da molécula, entre outros (Lenz, 1988). Entretanto, o que mais se pôde observar foi o efeito de depressão no sistema nervoso central, induzindo sono, e sendo então indicada primeiramente como um agente sedativo (Shardein, 1993). Em 1956 a talidomida foi introduzida no mercado alemão com os nomes comerciais de Contergan® e Grippex® (Lenz, 1988). Na época, foi indicada para o tratamento de diversas condições, tais como irritabilidade, baixa concentração, ansiedade, insônia, enjôos, hipertireiodismo, doenças infecciosas, entre outras indicações (Lenz, 1988; Saldanha, 1994). O grande número de condições que a talidomida podia atuar fez com que esse fármaco fosse considerado uma verdadeira panacéia, inclusive podendo ser adquirido sem a necessidade de prescrição médica (Lenz, 1988; Saldanha, 1994).


Rapidamente, então, a talidomida passou a ser fabricada e vendida em todo o mundo, contendo mais de 40 nomes comerciais e alcançando níveis de vendas extraordinários,
chegando a quase 15 toneladas de caixas só no ano de 1961 na Alemanha (Miller & Strömland, 1999).


Nos Estados Unidos (EUA) a talidomida não foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) devido ao limitado conhecimento sobre seu metabolismo e pelo risco de neuropatia periférica relatado em pacientes tratados por períodos mais longos (Public Affairs Committee, 2000).


Os estudos de toxicidade em roedores mostravam que a talidomida era um medicamento de baixo risco de intoxicação e poucos efeitos colaterais. A toxicidade observada era tão baixa que não foi possível determinar a dose letal (LD50) em animais (Shardein, 1993). Além disso, episódios de tentativa de suicídio com o fármaco não obtiveram sucesso, tão pouco produziram seqüelas orgânicas (Saldanha, 1994). Todos esses fatos acabavam por reforçar a idéia do medicamento comercializado como “completamente  inócuo ...  seguro... completamente seguro....atóxico e completamente inofensivo” (Oliveira et al., 1999). Entretanto, não se realizou nenhum teste de teratogenicidade, somente de toxicidade, muito embora naquela época já fosse sabido que muitas substâncias químicas, incluindo as de baixa toxicidade aguda em adultos, poderiam causar danos fetais (Lenz, 1988).


O primeiro caso conhecido de uma malformação congênita relacionada ao fármaco foi no final do ano de 1956, na Alemanha, no mesmo local da empresa de fabricação. A criança em questão não tinha orelhas, e a mãe adquiriu amostras de pílulas de talidomida através do seu marido que trabalhava na própria Grünenthal (Shardein, 1993). Mas foi em 1959, inicialmente na Alemanha, que surgiram relatos mais numerosos de recém-nascidos com malformações congênitas (Lenz, 1988). Essas malformações caracterizavam-se por defeitos no desenvolvimento dos ossos longos dos membros, dos quais mãos e pés variavam entre o normal e rudimentar, além de outras malformações associadas (Oliveira et al., 1999). Entretanto, foi somente no final do ano de 1961, com um número cada vez maior de tais anormalidades, que Lenz sugeriu uma possível correlação entre as malformações congênitas e o uso de talidomida durante a gravidez (Lenz, 1961 e b; Lenz, 1962). Paralelamente, na Austrália, McBride também mencionou um aumento de 20% desse tipo de embriopatia, correlacionando-a com o uso do fármaco (McBride, 1961).


Ainda no ano de 1961 a talidomida já não era mais comercializada na Alemanha e Inglaterra, e posteriormente em diversos outros países (Saldanha, 1994). Em agosto de 1962 já era possível observar um grande declínio no número de nascimentos com as malformações de membros (Shardein, 1993). No entanto, milhares de crianças já haviam nascido em todo o mundo com tais anomalias, e o número estimado de vítimas em todo o mundo é em torno de dez a quinze mil crianças nascidas (Matthews & McCoy, 2003; Oliveira et al., 1999). O número de abortos em conseqüência do uso do fármaco não é conhecido (Matthews & McCoy, 2003).


Como a talidomida não foi liberada nos EUA, o país não registrou muitos casos de embriopatias derivadas desse fármaco. Com isso, os EUA e a FDA saíram fortalecidos dessa situação, e a FDA passou coordenar todas as atividades relativas à política regulatória de medicamentos daquele país (Oliveira et al., 1999). Uma conseqüência dessa tragédia foi a revolução nas pesquisas com teratologia experimental e o controle na prescrição de novos medicamentos, particularmente para mulheres grávidas (Saldanha, 1994).